Arthur Antunes Coimbra, o maior ídolo da história do Flamengo, reinou no clube mais popular do Brasil nas décadas de 70 e 80 e ainda é a grande referência dos torcedores Rubro-Negros, que pediram, inclusive, para que ele assumisse a presidência do clube. Aos 53 anos, Zico é símbolo de uma época em que a paixão era a mola mestra do esporte, e que o marketing ainda não gerava milhões de dólares e pop stars no mundo da bola. Foi um dos melhores pontas-de-lança da história do futebol, marcou quase 800 gols e é ídolo também na Udinese e no Japão.
Movido pelo amor ao Rubro-Negro, chegou a cogitar a possibilidade de virar dirigente do clube do coração, pouco antes da última Copa do Mundo, em 2002. Voltou atrás após o Mundial, quando a federação japonesa fez uma proposta irrecusável para que ele dirigisse a seleção principal até 2006.
O Galinho está no futebol japonês há 13 anos. Passou sua experiência dentro de campo, por três temporadas, e logo depois como técnico do Kashima. Ajudou a montar a estrutura da J-League, participando desde a organização dos clubes até a escolha dos melhores projetos para a construção de estádios. Tem duas estátuas por lá, alguns gols de placa na memória dos japoneses e o reconhecimento de um povo que o adotou e o chama carinhosamente de "Jico".
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Nascido na casa 7 da Rua Lucinda Barbosa, em Quintino, bairro do subúrbio carioca, no dia 3 de março de 1953, o pequeno Arthur, filho de Seu Antunes e de Dona Matilde, sempre teve o futebol no sangue. Ainda que não haja qualquer comprovação científica de que isso exerça alguma influência, no mundo sem lógica do futebol os fatos ganham sentido. Além do próprio pai, que por muito pouco não foi goleiro profissional, seus irmãos Antunes e Edu foram jogadores de futebol reconhecidos. Antunes, irmão mais velho e conselheiro de Zico, atuou pelo Fluminense. Já Edu, apontado como craque do América num tempo em que o Diabo realmente infernizava, só não disputou a Copa de 70 porque foi preterido em cima da hora.
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Zico foi criado nesse caldo de bola, temperado pela decepção dos irmãos no mundo do futebol. Franzino e baixinho, não lhe davam muitas oportunidades de jogar. Restava então acompanhar os irmãos, apesar da reação sempre contrária do pai, um português rigoroso na educação dos filhos e que temia um futuro difícil no futebol. Mas, desde pequeno, Arthur ia e ficava atrás do gol, esperando o irmão Antunes deixar sua marca para soltar um potente ‘co-có-ri-cóóóó’ na comemoração. Daí até virar o Galinho de Quintino foi um pulo. Já o apelido mais famoso, quatro letras que viraram nome próprio e sinônimo de vitórias, foi dado pela prima Linda. Primeiro foi chamado de Arthurzinho, depois de Arthurzico e, por fim, virou simplesmente Zico.
FONTE
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Crônica de Armando Nogueira publicada em fevereiro de 1990, no dia em que Zico fez sua festa de despedida no Maracanã.
A última noite
ARMANDO NOGUEIRA
Maracanã, enfeita de bandeiras tuas arquibancadas que hoje é dia de festa no futebol. Encomenda um céu repleto de estrelas. Convida a lua (de preferência, a lua cheia). Veste roupa de domingo nos teus gandulas. Põe pilha nova no radinho do geraldino. E, por favor, não esquece de regar a grama (de preferência, com água-de-cheiro).
Avisa à multidão que ninguém pode faltar. É despedida do Zico e estou sabendo, de fonte limpa, que, hoje à noite, ele vai repartir conosco a bela coleção de gols que fez nos seus vinte anos de Maracanã. Eu até já escolhi o meu: quero aquela obra-prima, o segundo gol do Brasil contra o Paraguai nas Eliminatórias do Mundial de 1986. Lembro-me como se fosse hoje. Zico recebe de Leandro um passe de meia distância já na linha média dos paraguaios. Um efeito imprevisto retarda a bola uma fração de segundo. Zico vai passar batido - pensei. Pois sim. Sem a mais leve hesitação, sem sequer baixar os olhos, ele cata a bola lá atrás com o peito do pé, dá dois passos e, na mesma cadência, acerta o canto esquerdo do goleiro paraguaio.
Passei uma semana vendo e revendo no teipe aquele instante mágico de um corpo em harmonioso movimento com o tempo e com o espaço. E a bola, coladinha no pé, parecia amarrada no cadarço da chuteira.
Um gol de enciclopédia.
Se o amável leitor aceita uma sugestão, dou-lhe esta: escolha um dos gols que Zico fez graças à sua arte singular de chutar bola parada.
Chutar a bola de falta à entrada da área é um talento que Deus lhe deu mas não de mão beijada, como imaginam os desavisados. Zico trabalhou seriamente, anos e anos, para alcançar a perfeição dos efeitos sublimes. À tardinha, quando terminava o treino, ele costumava ficar sozinho no campo do Flamengo - ele, uma barreira artificial, uma bola e uma camisa caprichosament
e pendurada no canto superior das traves. A camisa era o alvo.
Zico passava horas sem fim, chutando rente à barreira e derrubando a camisa lá de cima das traves.
Chegava o domingo, na cobrança da falta, a bola já estava cansada de saber onde ela tinha que entrar.
Não tenho dúvida em dizer que tardará muito até que apareça alguém que domine como Zico o dom de cobrar falta ali da meia-lua.
Celebremos, querido torcedor, a última noite do maior artilheiro da história do Maracanã. Será uma despedida de apertar o coração. Se te der vontade de chorar, chora. Chora sem procurar esconder a pureza da tua emoção. Basta uma lágrima de amor para imortalizar o futebol de um supercraque.
Cantemos, Maracanã, teu filho ilustre, relembrando em comunhão os dribles mais vistosos, os passes mais ditosos, os gols mais luminosos desse fidalgo dos estádios que tem uma vida cheia de multidões.
Louvemos o poeta Zico que jogava futebol como se a bola fosse uma rosa entreaberta a seus pés.